ANDREI BASTOS
A despeito da rima, as palavras acessibilidade e prioridade não estão
associadas nem mesmo nos discursos do poder executivo, particularmente no Rio
de Janeiro, que continua lindo, mas sem acessibilidade. Na Copa e a dois anos
dos Jogos Olímpicos, a cidade continua sendo a via crúcis das pessoas com
deficiência ou mobilidade reduzida e, mesmo assim, apenas das que não aceitam o
confinamento nas suas próprias casas a que são condenadas pela incúria
governamental.
O gasto de montanhas de dinheiro em obras de cartão-postal revela que
as prioridades dos governantes não passam pelas calçadas que precisam ser
acessíveis, e não sinalizam para transportes coletivos que deveriam atender ao
direito humano fundamental de ir e vir das pessoas com deficiência.
É até possível compreender, sem aceitar, que administradores públicos
priorizem feitos que projetem suas imagens em caprichoso marketing eleitoral ou
malfeitos que encham as burras de suas campanhas políticas, considerando a
metástase moralmente degenerativa que acometeu a sociedade brasileira, mas não
posso, como pessoa com deficiência, admitir outra prioridade que não seja o
imediato atendimento aos meus direitos.
Eu tenho direito à vida em sua integralidade e não bato palmas para
cartões-postais ou realizações isoladas “para inglês ver”, como meia dúzia de
rotas acessíveis ligando coisa nenhuma a coisa alguma, pois como chegarei a
coisa nenhuma?
Da mesma forma, não posso aceitar que me peçam compreensão para a
dificuldade de realização das obras necessárias. Afinal, os prazos do Decreto
5.296 para implementação da acessibilidade foram estabelecidos há dez anos e
quase nada foi feito em termos de infraestrutura no país. De que vale um ônibus
adaptado, entre muitos com elevadores quebrados, ou mesmo uma avenida inteira
com rampas nas esquinas, se todas as transversais são intransitáveis para
cadeiras de rodas, como em Copacabana?
Bolas! Se nem as obras do Maracanã, um dos nossos mais expressivos
cartões-postais, atendem adequadamente aos requisitos de acessibilidade, apesar
de todos os aditivos contratuais, o que esperar de governos que, por incúria ou
dolo, condenam as pessoas com deficiência das “suas” cidades à exclusão
perpétua?
Fala sério! Ou a acessibilidade urbana é definitivamente incorporada
aos Planos Diretores e de obras dos municípios, com as necessárias e adequadas
dotações orçamentárias para os órgãos públicos competentes, ou será melhor
tirar de vez a máscara de “bonzinhos” de governantes que não estão nem aí para
cidadãos com deficiência.
Falo tudo isso de cadeira, de rodas, e se alguém quiser comprovar o que
digo basta me acompanhar em outra cadeira, de rodas, pelas calçadas e ônibus da
cidade dita maravilhosa. Não preciso nem recorrer a estatísticas e análises
profundas e doutas diante do cotidiano nada poético das pessoas com deficiência
do Rio de Janeiro e de praticamente todas as cidades brasileiras, que lutam por
mais do que uma rima, lutam por solução!
Andrei Bastos é jornalista com
deficiência
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