Certamente no início da democracia em Atenas, quando foi pela primeira vez enunciado o princípio da igualdade perante a lei, já se pensava assim, mas por escrito mesmo Aristóteles, no século IV antes de Cristo, nos deixou a ideia de que “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade”.
A questão de direito à igualdade é essencial no que se refere às pessoas com deficiência, mas ainda está por construir no Brasil. O Estado brasileiro — os poderes executivos em seus diversos níveis — precisa entender que garantir acessibilidade é tornar possível o exercício do direito à igualdade.
Sem acessibilidade, em seu conceito mais amplo, teremos pessoas com deficiência impedidas de viver com autonomia na cidade. Cadeirantes que não conseguem pegar um ônibus porque a plataforma de acesso, quando existe, não funciona. Surdos sem intérprete de Libras, a Língua Brasileira de Sinais, nas escolas ou faculdades. Cegos que não podem usar um elevador com autonomia porque o elevador já tem seus números em braille, mas não dispõe de áudio ligado para identificar o andar em que parou.
Pessoas cegas, surdas, cadeirantes ou com deficiência intelectual não conseguem emprego porque as empresas, quando obrigadas a contratá-las, sempre escolhem pessoas com deficiência “leve”. A Lei de Cotas nunca foi levada a sério: nem pelas empresas — que não olham para a competência, mas sim para a deficiência — nem pelo governo, que nunca exigiu seu cumprimento.
Não me conformo com o fato de as ações judiciais do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD) receberem sempre um não dos representantes dos poderes executivos. Não entendo o porquê. São sempre ações para garantir igualdade. Governos existem para proteger o cidadão, governos não são feitos para protegerem seus próprios interesses. E quando não cumprem uma determinação da Justiça, como no caso da acessibilidade para pessoas com deficiência em nossas quatro ações civis públicas, estão definitivamente acabando com a igualdade, que é a razão de existir da democracia.
O legislador já nos deu o direito, o Brasil tem a legislação mais inclusiva das Américas, a Justiça já confirmou esse direito, mas o Poder Executivo se entende com legitimidade para não efetivar esse direito. O Brasil é um país democrático?
A rampa, o elevador, o banheiro acessível, o instrutor de Libras, o programa de computador ou o ensino em braille, a escola inclusiva de qualidade e a reserva de vagas para o emprego nada mais são do que a normalização da vida da pessoa com deficiência. E devem existir dentro do princípio de que é esse tratamento desigual que constrói igualdade.
O olhar dos governos sobre a pessoa com deficiência em todo o Brasil precisa mudar. Os poderes executivos precisam ser construtores de democracia e igualdade, e não defensores da máquina do Estado. Pessoas com deficiência são cidadãs, não pedem favor, mas exigem direitos.
Teresa Costa d’Amaral é superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(O Globo, Opinião, 23/05/2014)
(O Globo, Opinião, 23/05/2014)
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