sábado, 25 de julho de 2009

Um mal necessário

ANDREI BASTOS

A lei de cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho fez dezoito anos, mas ainda está engatinhando. Ela nasceu em 1991, foi regulamentada em 1999 e a fiscalização e aplicação de multas foram definidas e começaram em 2001 – dez anos depois da sua promulgação! Portanto, todas as etapas da sua evolução se deram muito atrasadas no tempo e ainda hoje ela se expõe como um anacronismo.

Sua condição de inadequação não se deve apenas ao fato de que contradiz a verdadeira noção de inclusão, que não contempla procedimentos de proteção excepcional e de natureza segregadora e autoexcludente como cotas, estatutos, comissões ou organismos governamentais ou civis de dedicação exclusiva. Os direitos das pessoas com deficiência estão no âmbito dos direitos humanos e, fora isso e objetivamente, ela é uma lei anacrônica porque coloca o carro na frente dos bois – sua efetivação plena depende do equacionamento de problemas que antecedem ao que ela pretende resolver. Antes de empregos, precisamos de acessibilidade e educação inclusiva.

Podemos aceitá-la como mal necessário, e temporário, apenas porque ela procura reparar injustiças historicamente cometidas contra as pessoas com deficiência, e que ainda o são, e porque contribui para colocar a questão da nossa inclusão mais amplamente na sociedade ao abordar a atividade econômica.

É difícil até aceitá-la como ação afirmativa quando, pela falta de acessibilidade nas cidades e construções e no sistema de transportes coletivos, não temos nosso direito de ir e vir respeitado e, mais que isso, quando sabemos que a esmagadora maioria dos deficientes é de pessoas pobres, que não têm dinheiro para comprar automóvel adaptado ou pagar motorista particular e depende de ônibus, trem, metrô ou barco para tudo na vida. Diante disso, a fiscalização e aplicação de multas, de preferência muito pesadas, junto aos concessionários de transporte público é que seria uma verdadeira ação afirmativa. Afinal, que empregador vai tolerar um funcionário que não tem como chegar na hora certa ou mesmo chegar?

Enquanto isso não acontece, ficamos assistindo a um desfile de boas intenções de gente caridosa, que tanto se esforça para arranjar um empreguinho para um deficiente, e de empresas magnânimas, que toleram empregados sem produzir porque sai mais barato do que pagar multas ou que escolhem entre as deficiências qual a que vai atrapalhar menos. Fala sério! Vamos acabar com essa hipocrisia e realizar ações afirmativas de verdade!

Senhores empresários e pessoas bem intencionadas em geral, juntem-se a nós na luta por direitos e não por caridade e, particularmente, no combate à máfia dos transportes coletivos, que resiste à implementação da acessibilidade em seus veículos. Feito isso, as pessoas com deficiência não terão mais dificuldades para estudar e se qualificar profissionalmente e, por sua vez, as empresas não terão mais dificuldades para contratar profissionais com deficiência, que não são extraterrestres e nem coitadinhos.

Podem me chamar de deficiente mal-agradecido à vontade, mas eu é que sei o duro que dou quando meu Honda Civic automático, modelo 1993, baixa enfermaria.

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