quarta-feira, 15 de julho de 2009

Experiências de uma novata no mundo das 4 rodas

O Globo Online, blog Mão na Roda, Espaço do Leitor, 07/07/2009:

Experiências de uma novata no mundo das 4 rodas

Recebemos na semana passada um email da nossa leitora Aline, contando como foi seu primeiro encontro com Dudu, cadeirante com quem anda “de rolo”. Ela é “andante” e se surpreendeu bastante com a reação das pessoas ao seu encontro. Achamos o texto bastante legal e por isso, resolvemos publicá-lo aqui.

“Oi, gente! Vou escrever sobre assuntos que vocês já abordaram aqui. Mas que posso fazer se só encontrei o blog agora? É que conheci, há pouco tempo, um cadeirante que fez meu coração acelerar, e aí, já sabem… Desde então, fico intrigada com a curiosidade mórbida das pessoas e com o preconceito com que olham para um cadeirante.

Confesso que, apesar de observadora, sou muito desligada para certos assuntos, por isso me surpreendo com a curiosidade da galera. De um modo geral sou discreta e não costumo fazer perguntas que julgo “íntimas”, como por exemplo, “Quanto você ganha?”. Tem coisa que, definitivamente, não é da conta de ninguém.

Bem, no dia que conheci o Dudu, olhei pra ele e o achei um gato. Ponto. Lembro que estávamos num show, o vi chegando e pensei “que cara lindo, que olhar lindo”. E minha preocupação foi descobrir se ele estava acompanhado. Sim, porque não dava pra azarar um cara acompanhando, né? O “detalhe” da cadeira eu só vi depois. Depois que descobri que ele não estava acompanhado. Depois que trocamos alguns olhares, um sorriso. Depois, enfim, de todos os passos de uma azaração. Passei a noite acompanhada de um homem, não de um cadeirante.

Mas as pessoas do local ficavam me olhando e pareciam querer dizer: “Puxa, tão bonita e vai escolher logo um cara assim?” ou “Deve estar encalhada mesmo, né? Catou logo o aleijadinho”. Sério, em duas horas recebi tantos olhares e tantos tapinhas nas costas… Até que ele me disse pra ir me acostumando, pois é assim: todos acham cadeirante bonzinho. E acompanhante também. Acho que foi nessa hora que me lembrei “ih, é! ele é cadeirante”.

Apesar de ter sido o 1º cadeirante que conheci, todas essas reações me chamaram a atenção. Os que passavam perto da gente davam um tapinha nas costas dele. Como quem diz: “Nossa, como é bom ver que ele tenta ser igual a todo mundo, né?”. Pô! Ele não “tenta” ser que nem todo mundo. Ele sabe que tem uma lesão medular, sabe que está preso pra sempre numa cadeira de rodas e também sabe que ainda não morreu. Qual o espanto de ver um cara de 36 anos na noite carioca?

Bem, fiquei encantada com ele e, claro, comentei com outras duas amigas: “conheci um carinha super legal”. Uma delas, depois de uma semana, me perguntou se havíamos marcado alguma coisa. Diante da minha negativa, ela sugeriu: “Convida ele pra dar uma caminhada na praia, tem feito umas noites tão lindas”. Então, expliquei que pra ele é meio complicado “caminhar na praia”. Foi impressionante a cara de espanto dela. E das demais pessoas em volta, porque todos em nossa mesa ficaram sabendo que eu estava de rolo com um cadeirante.

Não perguntei sobre o acidente logo de cara, pois sabia que seria um papo que surgiria naturalmente. E também porque em 2004 sofri um acidente de moto e a coisa mais detestável nas primeiras semanas era atender aos telefonemas e explicar pra um, pro outro, pro outro… no final do dia, havia contado a história 150 vezes. Paciência não é muito meu forte, então, quando alguém do trabalho me ligava e perguntava, dizia logo: chama todo mundo aí e põe no viva-voz. Só então contava pro departamento todo de uma vez.

Como disse, minha experiência com um cadeirante é recente, mas já deu pra sacar que o preconceito é imenso, as informações são poucas e ainda tem muita gente mal-educada. E ainda dizem que foi o lesionado que perdeu a sensibilidade… Qual o problema em se pensar duas vezes antes de fazer um comentário maldoso, uma pergunta indiscreta ou mesmo ser monotemático e só conversar sobre um assunto (o acidente, no caso)?

Dentre esse monte de chatice, tem uma que até me faz rir, essa história de pensarem que cadeirante é bonzinho ou que eu, por estar ao lado dele, sou praticamente uma voluntária do “Viva Rio” e estou me esforçando pra fazer este mundo melhor. É tão difícil assim entender que eu gosto do cara e pronto? Madre Tereza de Calcutá? Eu?!

No dia dos namorados, “roubei” uma figura do blog de vocês e coloquei-a no meu com os dizeres: “para ele, com carinho”. Recebi um monte de comentários, sempre com o tom de: “que pessoa incrível você é…”. Nem publiquei todos porque talvez ele não gostasse. Mas duvido que tantas pessoas iriam comentar, se eu fosse amarradona num roqueiro e colocasse a figura de uma guitarra lá. Duvido!

Ah! E que ele não é assim tão bonzinho, não… me trata como qualquer outro ficante que tive. Inclusive com as esnobadas esporádicas. Ele é homem, né? Não virou um homem bozinho quando sentou naquela cadeira.

Escrevi pra caramba. Acho que tava precisando desabafar e falar um pouquinho de como algumas coisas me causam estranheza.

Beijo pra todos.

Aline

PS: Será que se eu andasse com uma plaquinha “Tomo antidepressivo”, as pessoas me dariam tapinhas nas costas?”

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