Voto livre do eleitor com deficiência
Por Izabel Maior *
Estamos em mais um
importante ano para a democracia brasileira, no qual, pelo voto direto, a
população pode fazer escolhas e mudar os rumos da sua própria vida. Cada cidadã
e cada cidadão tem a responsabilidade de confrontar pros e contras das
propostas dos partidos políticos e de seus candidatos. No entanto, a política
partidária está tão desgastada por promessas não cumpridas que muitos eleitores
preferem alienar-se do debate, deixando para outros a possibilidade de
decidirem em seu nome. Não concordo com essa atitude. Desejo participar e
definir quais serão os deputados, no âmbito estadual e federal, e quais os
senadores que defenderão as principais questões no legislativo. Da mesma forma,
em 2014, vamos votar em governadores e para o cargo de presidente. Muitas novas
ideias podem merecer nossa escolha, assim como, iremos dar outro crédito aos
parlamentares e políticos do executivo que agiram corretamente com o povo,
transformando as promessas em ações concretas.
Ano de eleição é
aquele momento em que fotos sorridentes, apertos de mão e beijos em criancinhas
dominam o noticiário. Quem deseja ser visto ao lado de um político precisa se
apressar, pois é agora ou quase certamente não mais terá a mesma oportunidade.
Depois de tomar posse, o acesso a quem você elegeu sem bons critérios será
quase impossível pelas mais diferentes razões. Só restará lamentar e culpar a
democracia? Errado! Votar é um direito importante que não pode ser tirado de
nenhum de nós. Houve muita luta em passado recente para acabarmos com o regime
de ditadura militar (1964 a 1985), no qual o eleitor foi engavetado,
silenciado, sem direito à voz e a voto direto. Não havia liberdade de
expressão.
Penso que você já
sabe de quase tudo isso, mas talvez não saiba que garantir os direitos de
inclusão social das pessoas com deficiência é uma batalha ainda mais árdua e
essencial. São muitas as armadilhas preparadas para os eleitores com
deficiência, suas famílias, amigos, profissionais da área e simpatizantes da
causa. Muitos candidatos se dirão defensores dos nossos direitos.
Vamos tentar
demonstrar como precaver-se da maioria deles, com o objetivo de valorizar o seu
voto, sem defender partidos ou candidatos, sem estabelecer juízo de valor para
influenciar a sua opção. Estamos tratando da importância da democracia, da
liberdade de escolha e da participação na vida política a que todos temos o
direito individual, garantido pela Constituição Federal de 1988. Com o advento
da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada como
emenda constitucional em 2008 e promulgada em 2009, pelo Decreto nº 6.949,
dispomos do artigo 29 – participação na vida política e pública. O texto é:
“assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e
plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente
escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas”.
Para que você e eu
possamos ser eleitores conscientes e libertos, a justiça eleitoral, os partidos
políticos, os candidatos e os meios de comunicação têm de cumprir com a
obrigação de apresentar as suas propostas com acessibilidade adequada a todos
os tipos de deficiência, contemplando as especificações que o segmento requer.
A propaganda gratuita definida pela lei eleitoral é financiada pelo dinheiro
público, portanto do pagamento que fazemos via impostos e taxas. A propaganda é
tão essencial à eleição dos candidatos que os partidos políticos fazem de tudo
para conseguir mais alguns minutos na televisão e no rádio. O candidato que
passa mais tempo sendo visto e ouvido, em tese, terá maior chance de ser
escolhido pelo eleitor. A nossa atenção deve voltar-se para conteúdo das
propostas e a necessária explicação.
Acostumamo-nos com a
desobediência legal e muitos políticos não irão se preocupar com o eleitor
surdo e sua forma específica de acessar a informação: legenda com caracteres no
padrão de visibilidade e Libras. Muitos deixarão de lado o fato de o eleitor
cego não ter acesso às imagens do programa partidário, questão que deve
ser resolvida com a audiodescrição. A grande maioria tampouco dará atenção aos
eleitores com deficiência intelectual. As propostas devem ser apresentadas em
linguagem e texto com leitura fácil, o recurso de acessibilidade indicado. Por
sinal, quando se é capaz de expor ideias de maneira a serem facilmente
absorvidas, significa que têm coerência, que não há subterfúgios e floreios a
mascarar o conteúdo dúbio e vazio. Comunicação fácil e direta é um ponto a favor
dos candidatos que querem verdadeiramente prestar contas e expor novas
propostas aos eleitores.
Em campanhas
eleitorais anteriores, os partidos e os candidatos, com algumas exceções, nada
fizeram para a “garantia de que os procedimentos, instalações, materiais e
equipamentos para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão”
para os eleitores com deficiência, como a legislação determina.
Os partidos
políticos mantem fiscais devidamente credenciados para acompanhar o processo de
votação nas seções eleitorais, portanto podem e devem também fiscalizar se a
justiça eleitoral fornece a tecnologia assistida para os eleitores que
necessitam de, por exemplo, fones para retorno do áudio da urna eletrônica. Da
mesma maneira devem se certificar se o eleitor vai exercer o voto com
liberdade, segurança e sem discriminação. A proibição de o cão-guia acompanhar
seu dono até a cabine de votação representa crime de discriminação e os
partidos políticos não podem se omitir nessas circunstâncias. As dificuldades
de acesso físico às seções eleitorais também dizem respeito aos partidos
políticos na defesa do direito dos eleitores com deficiência. Esses são alguns
exemplos que acontecem no dia da votação.
O eleitor precisa
ser atento e sábio para discernir entre as plataformas políticas e as formas de
atuar no legislativo ou nos cargos executivos – governos dos estados e da
condução do país. Há atribuições próprias e muitos tentam confundir o eleitor
ao dizer que podem realizar tudo indiscriminadamente.
Sabemos que a
inclusão das pessoas com deficiência faz parte do conjunto de ações para o
desenvolvimento e o crescimento do país, como o combate à miséria, as obras de
infraestrutura, o acesso à água, à moradia, etc. Somente com a solução dessas
mazelas acontecerá a igualdade de oportunidades e o término da discriminação.
Temos consciência
da grave situação de corrupção, sonegação de impostos, bem como o esgotamento
das instituições responsáveis pela segurança pública. Para a prevenção e
controle da violência é indispensável haver polícias efetivas e atuantes, com
inteligência e tecnologia, capacitação dos profissionais e acompanhamento de
sua conduta para com a população.
O que os candidatos
têm a propor para a garantia da integridade física, prevenção do abuso, da
violência e exploração das pessoas com deficiência? Sem conhecerem e usarem as
formas de comunicação corretas, os agentes da segurança pública continuarão
a torturar e até matar surdos que não respondem quando são abordados.
Parece absurdo, mas acontece. Este é um exemplo da atenção do eleitor ao
analisar uma questão geral – a garantia da segurança pública para todos, com a
especificidade que é um direito do cidadão surdo – ter segurança e utilizar a
Libras em abordagens, interrogatórios, depoimentos e outras ações.
A condução correta
da economia para impedir a inflação é outro aspecto indispensável para
assegurar a capacidade de o poder público investir nas pessoas. O aumento da
inflação prejudica diretamente o investimento em saúde e reabilitação, equipamentos
de suporte à vida, medicamentos, tecnologia assistiva, recursos para a educação
inclusiva, oportunidades de trabalho digno, proteção social e previdenciária,
além de tantas outras obrigações e direitos do povo. Entretanto, sem previsão
no planejamento dos governos e nos orçamentos não se fazem as intervenções
diretas ou o repasse de verbas para a acessibilidade, a saúde, a educação e
outros.
Quando os políticos
eleitos devem favores de campanhas ao lado obscuro do empresariado, por
exemplo, de obras e de transportes, dificilmente a fiscalização da existência
de acessibilidade será realizada. Portanto, mais um aspecto importante para a
decisão do eleitor com deficiência é conhecer a lista de financiadores das
campanhas dos partidos políticos, pois algumas empresas são contumazes
descumpridoras da legislação de cotas para trabalhadores com deficiência e
também não cumprem as medidas de acessibilidade.
Como alertas a
serem usados destaco: candidatos que falam “vou trabalhar pelos deficientes
físicos” ou “defendo as pessoas especiais”, ou ainda “vou doar cadeira de
rodas”. Nesses casos o discurso demonstra o desconhecimento básico dos
direitos.
Assim, a análise
dos programas de governo dos partidos, promessas factíveis dos candidatos, a
maneira como comunicam suas ideias (com acessibilidade), e a conduta
pró-inclusão de seus apoiadores de campanha são ótimos indicadores para a
decisão do eleitor com deficiência.
Indico a leitura do
artigo 29 da Convenção da ONU sobre nossos direitos de participação na vida política
e pública. Vamos usar o nosso voto e a nossa força de eleitores e desse modo
apressar a inclusão de todas as pessoas.
Fonte: Inclusive
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