O Globo, Opinião, 15/09/2014:
Inclui
o teu próximo
ANDREI BASTOS
Eu fui recentemente a um seminário, realizado pelo Ministério Público
do Estado do Rio de Janeiro, e fiquei preocupado com a defesa firme por parte
de promotores e promotoras de Justiça palestrantes de que pessoas com
transtornos mentais e outras doenças graves estão contempladas pelas leis que
resguardam os direitos dos deficientes, particularmente pela Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU.
Na minha cabeça, sempre esteve presente o mantra de que deficiência não
é doença, e eu já tinha decoradas todas as justificativas necessárias de que
uma coisa era uma coisa e outra coisa era outra coisa. CID (Classificação
Internacional de Doenças) e CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade)
eram siglas que definiam dois campos distintos para mim.
Ouvindo inquieto na minha cadeira de rodas os promotores defenderem a
inclusão de esquizofrênicos e outros doentes no campo das deficiências, tendo
direito à minha vaga de estacionamento, à minha prioridade de atendimento e beneficiando-se
das minhas isenções tributárias e benefícios sociais, quase entrei em pânico.
Mais do que me parecer uma ideia absurda, esse entendimento da
Convenção da ONU revelado pelos promotores de Justiça representou uma ameaça
aos “meus” direitos, e comecei a caraminholar para contestar a heresia. Durante
minhas caraminholadas, resgatei uma antiga ideia minha de total abrangência da
inclusão e me interessei pelo urbanismo inclusivo, que pensa a cidade como boa
moradia para todos.
Sempre achei segregador ainda colocar diferentes atributos no balaio
comum da deficiência, embora seja um avanço em relação a “portadores de
necessidades especiais”. Igualmente, todo órgão público, instituição ou lei com
a especificidade da deficiência também segrega, incluindo a própria Convenção
da ONU.
Ao considerar a palavra “deficiência” um mal necessário, enquanto der
efetividade a políticas afirmativas para quitação da dívida da humanidade com as
pessoas com deficiência, comecei a buscar ideias inclusivas de fato. Da
consideração dos diferentes atributos (amputado, cego, surdo etc.) bastando a
si mesmos à compreensão de que o atendimento das suas necessidades específicas
beneficia todas as pessoas, fui mais fundo na natureza da inclusão.
Dominado por essas reflexões e pelas ideias do urbanismo inclusivo,
passei a ver com outros olhos a pregação dos promotores de Justiça e até mesmo
o famigerado “Estatuto do coitadinho”, do Paulo Paim, que teve seu texto
alterado para melhor e hoje se apresenta como Lei Brasileira da Inclusão (um
bom nome, mas inadequado se restrita aos deficientes).
Finalmente, busco as ideias da educação inclusiva e compreendo a
inclusão no sentido mais amplo, de todas as pessoas – com deficiência ou não,
de todas as raças, com qualquer orientação sexual etc. – e incluo no fantástico
espectro da diversidade humana as pessoas com transtornos mentais e outras
doenças graves – todas as pessoas, enfim –, tocando de leve a ideia de amar o meu
próximo.
Andrei Bastos é presidente do
Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de
Janeiro
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