domingo, 4 de janeiro de 2009

Autistas serão tratados no Rio

Jornal do Brasil, 04/01/2009:

Autistas serão tratados no Rio

Novo secretário da Pessoa com Deficiência promete implementar o serviço na rede municipal

Paulo Marcio Vaz

Um dos primeiros atos do novo secretário municipal da Pessoa com Deficiência, Márcio Pacheco, será iniciar estudos para a implementação de um serviço especializado no tratamento de pessoas autistas no Rio. A iniciativa, pioneira no Brasil, é comemorada principalmente por pais de crianças afetadas pela síndrome, que praticamente não têm a quem recorrer depois de obtido – a duras penas – o diagnóstico. Mesmo no setor privado, no Brasil inteiro, são raros os centros de tratamento bem capacitados para lidar com autistas.

Antes de implementar o serviço na cidade, Márcio Pacheco pretende buscar especialistas e representantes de entidades que lidam com o autismo para a realização de um grande seminário, previsto para março, visando a capacitar profissionais e discutir medidas a serem adotadas para a eficácia do tratamento da síndrome. Apesar da quase inexistência de informações oficiais sobre formas de prevenção e tratamento do autismo no país, novas terapias e métodos de diagnóstico vêm dando ótimos resultados nos Estados Unidos – conforme o JB noticiou em sua edição de 1° de junho de 2008.

– Pretendemos trazer ao seminário os melhores profissionais do mundo para que possamos capacitar da melhor forma possível nossos profissionais de saúde – afirmou Pacheco.

Um dos que vão auxiliar Márcio Pacheco na empreitada é o funcionário público Ulisses da Costa Batista, pai de Rafael, um autista de 12 anos que apresenta grande melhora depois de ser submetido a tratamentos vindos do exterior. Ulisses faz parte de um grupo de pais de autistas que, por conta própria, trocam informações e investem em contatos e consultas com os especialistas estrangeiros, em busca de tratamento de saúde adequado para seus filhos.

Lei municipal

Foi Ulisses Batista quem procurou o então vereador Márcio Pacheco, em 2006, para denunciar o estado de abandono em que se encontravam os autistas no Rio. O contato resultou na Lei nº 4.709, de autoria de Pacheco, que obriga a prefeitura a oferecer tratamento especializado para autistas. Apesar de vetada pelo então prefeito Cesar Maia, a lei foi mantida pelos vereadores.

Entre as entidades que devem participar do seminário, está a Associação em Defesa do Autista (Adefa), localizada em Niterói. Vice-presidente da entidade, a bióloga Eloah Antunes – mãe de Luan, autista de 7 anos – foi uma das primeiras a buscar tratamentos no exterior que deram novas esperanças e qualidade de vida ao filho. Mesmo sem ajuda oficial, a Adefa patrocina a ida de profissionais de saúde brasileiros aos Estados Unidos e oferece os novos tratamentos para crianças autistas, com resultados considerados bastante positivos.

Entre os especialistas brasileiros que já se mostram dispostos a participar do seminário, está a médica Carolina Lampréia, professora da PUC-Rio. Carolina desenvolveu um protocolo capaz de diagnosticar precocemente o autismo em crianças de zero a 3 anos, o que aumenta as chances de bons resultados no tratamento.

– O trabalho da Carolina é muito importante, e ela já se dispôs a dar palestras para os pediatras no Rio – diz Ulisses da Costa. – Estou ouvindo entidades, profissionais de saúde e pais de autistas que me ajudam a formular uma lista de convidados para o seminário.

Márcio Pacheco prefere ser cauteloso ao dar detalhes sobre como será o serviço de atendimento a autistas no Rio:

– Agora, precisamos dar os primeiros passos: descobrir porque, apesar da lei, o tratamento a autistas nunca foi implementado na cidade. Também temos de capacitar nossos profissionais e identificar a demanda de pacientes. Se for preciso, farei parcerias com entidades privadas.

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Síndrome ainda é pouco estudada no Brasil

Foi por meio de estudos e pesquisas feitas por conta própria que a bióloga Eloah Antunes contrariou médicos brasileiros e atestou que seu filho, Luan, então com 2 anos, era autista. Ao ver a própria criança dar cabeçadas na parede, não atender aos chamados de ninguém e apresentar constantes problemas de saúde, Eloah não aceitou o diagnóstico de “traumas psicológicos” dado por diversos neurologistas. Só depois que ela própria teve certeza da real condição de seu filho, é que um pediatra confirmou que Luan era autista.

Por muitos anos considerada uma doença neurológica incurável, o autismo, segundo novas pesquisas feitas nos Estados Unidos, é uma síndrome ligada a diversos fatores que influenciam diretamente na sua manifestação. De alergias alimentares à falta de capacidade de eliminar metais pesados do organismo, os fatores que contribuem para o aparecimento do autismo são diversos – a verdadeira causa da síndrome ainda é um mistério para a medicina.

Tratamentos que vêm dando resultado nos EUA – e que lentamente chegam ao Brasil – incluem dietas, reposição vitamínica (com substâncias importadas) e terapias comportamentais, entre outros processos. Recentemente, pesquisa publicada na revista científica Neuropsychology Review atestou que até 25% de crianças autistas tratadas adequadamente ficaram livres de todos os sintomas que poderiam caracterizá-las como portadoras da síndrome.

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Representação na OEA

Por estar ainda muito longe das atuais novidades e, principalmente, dos tratamentos que dão esperança aos pais de autistas nos EUA, o Brasil pode ser condenado pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Ulisses da Costa Batista, que luta para tratar seu filho Rafael, de 12 anos, foi o responsável pela iniciativa da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio, que entrou com a representação na OEA contra o Brasil. O documento, já em tramitação, pede a condenação do país por não oferecer condições adequadas de atendimento a autistas. (P.M.V.)

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Memória JB Terapias há, mas falta acesso

Em 1º de junho de 2008, o JB publicou a reportagem Tratamento evolui, mas poucos têm acesso, que chamava a atenção para os êxitos alcançados por crianças autistas tratadas de acordo com os métodos adotados por um grupo de médicos e terapeutas americanos – em sua maioria, pais de autistas nos EUA – que têm revolucionado o tratamento da síndrome no mundo. No Brasil, são poucos os profissionais de saúde capacitados a atender com eficiência pessoas portadoras de autismo. Em Niterói, a Associação em Defesa do Autista (Adefa) é uma das poucas instituições capazes de oferecer o tratamento multidisciplinar que vem dando ótimos resultados, principalmente entre as crianças atendidas na entidade. O maior símbolo da eficiência das novas terapias é o menino Pedro Augusto, de 4 anos. Diagnosticado como autista aos 2, o menino fez todo o tratamento com base nas novas metodologias. Dois anos depois, levado a um neurologista que desconhecia seu histórico, Pedro foi diagnosticado como uma criança normal. Sem ajuda oficial, a Adefa depende de doações e contribuições para sobreviver. No Rio, sem saber o que fazer, pais de autistas sofrem com casos dramáticos de crianças – e adultos – sem assistência adequada e à margem da sociedade.

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Entrevista Márcio Pacheco
“A deficiência não é das pessoas, mas do espaço”

Secretário tem como meta melhorar condições de acesso e transporte

Paulo Marcio Vaz

Autor da lei que obriga o governo municipal a dar tratamento especializado aos portadores de autismo, Márcio Pacheco, secretário da Pessoa com Deficiência escolhido pelo prefeito Eduardo Paes, vai usar sua experiência como ex-presidente da comissão que trata do tema na Câmara Municipal para melhorar a vida de 15% da população que têm necessidades especiais de locomoção. Para isso, já manteve conversas com empresários da Rio Ônibus, que prometeram ainda este ano aumentar o ridículo número de apenas 48 coletivos adaptados no município – São Paulo tem 500. Vai contar ainda com a ajuda dos colegas de governo para desobstruir e melhorar as condições das calçadas. Ele falou ao Jornal do Brasil.

O que o senhor leva para a secretaria da experiência como vereador e presidente da Comissão Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência?

Passei quatro anos me dedicando com afinco à causa dos portadores de deficiência e me especializei nessa questão. Mesmo assim, quando fui convidado para assumir a secretaria, confesso que me assustei. Sei que vou enfrentar grandes dificuldades. Levo para a secretaria a visão do legislativo e a visão de quem passou quatro anos cobrando do Poder Executivo. Esse é um bom diferencial. Sei também que muitas coisas nós não vamos conseguir fazer de imediato, mas a minha visão não é a de quem vem do Executivo. É a de quem passou quatro anos cobrando efetivação do poder público. Sei o que está faltando, o que precisa ser feito. E, se eu não puder fazer, tenho que dar resposta de por que não consegui.

E o que está faltando?

A legislação do Rio de Janeiro a respeito da pessoa com deficiência é uma das melhores do mundo, está entre as cinco melhores da América. Portanto, eu começo a dizer o que não precisa fazer: leis. O que falta é o cumprimento delas.

Na prática, qual o grande problema da cidade em relação aos portadores de deficiência?

Transporte público acessível. Se dermos acessibilidade ao transporte, vamos dar acessibilidade à saúde, à educação, ao lazer. Esse é um problema que demanda uma vontade política, mas também um querer das empresas concessionárias. Fiz um prévio contato com os empresários de ônibus, com diálogos muito avançados. Creio que, já para 2009, vamos ter grandes surpresas na área de transporte. Outro fator que vai contribuir é o decreto do governo federal que estipula um prazo a partir do qual nenhum ônibus pode mais sair da fábrica sem estar adaptado. Esse prazo expirou e, a partir de agora, todos os novos ônibus terão que ser acessíveis. A partir do momento em que a empresa trocar de frota, terá que adquirir ônibus adaptados. E os empresários estão dispostos a fazer isso.

E em relação a frota atual? Praticamente não há ônibus adaptados circulando…

Hoje, no Rio, a realidade é brutal em relação a isso. Na cidade, há apenas 48 ônibus acessíveis. Em São Paulo, só para fazer uma comparação, há 500 ônibus acessíveis e funcionando. Aqui, dos 48, não sei precisar bem, mas acho que nem 13 ônibus adaptados circulam. É uma mostra de que falta vontade política para que a coisa aconteça.

E até que ponto os empresários de ônibus se mostram dispostos a adaptar os veículos atuais?

A conversa que tive com a presidência da Rio Ônibus foi a melhor possível. Eles me prometeram que vão entregar à cidade um número considerável de novos ônibus, já acessíveis, em 2009. Quando falo em acessíveis, falo não só em veículos adaptados para cadeirantes, mas também para idosos, gestantes e quem tem mobilidade reduzida temporariamente.

Como avalia a gestão Cesar Maia em relação aos portadores de deficiência?

Houve graves erros. Basta citarmos o Parapan-Americano. Esse grande evento esportivo mostrou a ineficácia do poder público municipal na questão do tratamento da pessoa com deficiência e o descaso com 15% da população. Vejamos um caso isolado: um atleta paraolímpico argentino morreu em um hospital público depois de passar por outros três hospitais e esperar cinco horas para ser atendido. Por que isso, se no Pan-Americano os atletas eram atendidos por empresa privada?

De zero a 10, qual a nota para a situação da cidade em relação aos portadores de deficiência?

No máximo, quatro. A desordem urbana é muito grande. O novo secretário da Ordem Urbana, Rodrigo Bethlem, será um grande parceiro nosso. Já conversei com ele a respeito, e vamos ter de reeducar a população. Carros nas calçadas, obstáculos que impedem as pessoas de andar e calçamento esburacado são apenas alguns exemplos. A cidade está muito mal conservada e precisa ser reconstruída, inclusive para pessoas com mobilidade reduzida. Costumo dizer que não há pessosa deficiente. Há espaços deficientes.

De vereador a secretário, como será passar de pedra a vidraça?

Ser pedra e virar vidraça faz parte da vida pública. Antes de ser vereador, fui ouvidor geral do Detran. Não tenho a expectativa de ser o salvador da pátria. Conheço as limitações do poder público, mas tive uma longa conversa com o prefeito Eduardo Paes. Tenho certeza de que a maneira como ele conduziu o processo e me deixou à vontade para trabalhar mostram um compromisso muito grande com o segmento. Portanto, sei que vou ser muito cobrado, mas não é um compromisso só meu.

O que já dá para dizer que será possível ou não fazer?

O que, certamente, vai dar para fazer será estabelecer um contato, uma parceria real e concreta com outros níveis de governo. Isso não havia na secretaria, que não tinha capacidade de estabelecer parcerias e ampliar atendimentos com o governo do estado e o governo federal. Vamos ampliar o leque de atendimento na área de reabilitação de ponta e também a efetivação dos programas de reabilitação e de políticas públicas. Isso, já digo que vamos fazer. O que não dá para fazer de imediato, por exemplo, é um reparo em toda a frota de ônibus. Isso nós não podemos prometer.

Haverá parcerias com a iniciativa privada?

Quando criei a Lei do Autista, um dos artigos dá a possibilidade de fecharmos convênios e parcerias com universidades, fundações e empresas privadas para que essas políticas sejam aplicadas, no caso de eu não tê-las dentro do município. Portanto, não será por falta de parcerias que não vamos fazer. Se no município eu não puder fazer, vou trazer parceiros privados para nos ajudar.

Como surgiu a idéia da criação da Lei do Autista?

O Ulisses Batista, um amigo meu que é pai de um menino autista, me procurou como vereador e pediu ajuda. Com minha experiência legislativa, sugeri que elaborássemos uma lei a respeito. Ele me ajudou muito a elaborar o texto. Fizemos uma lei pioneira, que consideramos totalmente constitucional, não fere os preceitos e não tem exageros.

Qual a contestação feita pelo ex-prefeito Cesar Maia?

Ele entrou na Justiça argüindo inconstitucionalidade, na minha opinião, por uma razão esdrúxula. Segundo ele, um vereador não poderia ordenar despesas da prefeitura. Isso é criminoso. A Lei do Autista vai representar o Brasil num seminário da ONU. Mas a lei está em vigor e, independentemente disso, agora como secretário, vou implementar essa política pública de tratamento de autistas.

Qual o primeiro passo?

A realização de um seminário. Vamos fazer o chamamento de profissionais da área, do Brasil e do exterior. Eles vão nos ajudar a implementar essa política, que é muito nova. Não haveria como implementarmos isso sozinhos. Tudo será feito com muito cuidado e implicará, entre outras coisas, em capacitação de uma nova geração de profissionais Por isso, poderá ser um processo lento.

Já há previsão de verba para a secretaria?

O orçamento é enxuto, com quadro de funcionários extenso e custo alto. Mas não me preocupo. Os parceiros serão muitos para nos ajudar. Problema de dinheiro existe quando se tem muito (risos). Acredito que a própria causa pela qual lutamos nos ajudará a ter todos os recursos necessários.

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CLIQUE AQUI PARA DOWLOAD DAS PROPOSTAS PARA UM GOVERNO MUNICIPAL NO RIO, ELABORADAS POR PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ORIGINALMENTE PARA O CANDIDATO A PREFEITO FERNANDO GABEIRA, A SEU PEDIDO.

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