sexta-feira, 11 de abril de 2014

Experiências doidas do Cacá

Andrei Bastos, presidente do Comdef-Rio, e Cassiano Fernandez, o Cacá

Senhoras e senhores, o blog do Comdef-Rio tem o prazer de apresentar seu primeiro colunista, o jornalista muitíssimo gente boa Cassiano Fernandez, o Cacá. O nome da coluna será, obviamente, “Experiências doidas do Cacá”. Esperamos que vocês curtam bastante.

Introdução
(Chegando ao COMDEF-RIO)

Cassiano Fernandez

No dia 25 de março comecei a prestar serviços voluntários no COMDEF (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência). No meu primeiro dia de trabalho fui calorosamente recebido pelo meu amigo e presidente do Conselho, Andrei Bastos. Este foi logo me ambientando e me apresentou André Hissa, um rapaz sorridente e de semblante apaziguador.

Começamos então a conversar com o intuito de conhecer um ao outro, ele me fez perguntas e eu as devolvi. Assim foi até que reparei que ao lado de onde André havia colocado sua mochila havia um cabide com uma cobertura de náilon preto, daquelas onde se guardam ternos ou vestidos de noite.

Olhando para aquilo comecei a imaginar que tipo de roupa poderia haver ali dentro. Após alguns minutos de reflexão não resisti e perguntei que roupa era aquela.

Ele então me respondeu sorrindo:

”Eu frequento um centro de espiritualização e esta é uma roupa branca que eu uso quando lá estou.”

***
Uma aventura Hindu

Cassiano Fernandez

Aquele era meu primeiro dia no COMDEF-RIO.  Ao final do expediente pedi a André, meu prestativo colega de trabalho, que me acompanhasse até o metrô. Este concordou dizendo:

”Claro, vamos  que eu te levo e depois eu vou para aquele lugar sobre o qual falamos mais cedo.”

Devo confessar ao leitor que durante todo o dia estive curioso com relação a tal local.

Com entusiasmo, ao longo do percurso em direção à estação, comecei a fazer-lhe perguntas sobre o lugar e o tipo de atividades lá feitas.

André respondeu que basicamente se tratava de um local específico para se cuidar dos males da alma e que ali você poderia fazer consultas espirituais. Excitado com a resposta, pode-se dizer que me convidei para ir junto.

Meu colega, surpreso, só conseguiu dizer duas palavras:

“Então vamos! Vamos pegar um ônibus.”

Ao ouvir a última frase fui tomado por uma contração proveniente da surpresa.

“Ônibus?”, disse eu mentalmente.

Até aquele momento nunca tinha andado de ônibus na vida e me orgulhava disso.

Após ficar pensativo por alguns minutos, perguntei:

“Aonde fica este centro?”

“Tijuca!”, ele respondeu. “Se chama IEVE”.

Ao subir no ônibus, só o fato de estar sendo içado pela plataforma me proporcionou um misto de pavor e excitação. Ao ser instalado no meu lugar percebi o quanto o ônibus estava lotado.

André estava sempre ao meu lado.

À minha frente havia um rapaz de pé que perguntou se eu precisava de alguma coisa. Menos de um minuto após minha negativa, o rapaz se lança para a janela que estava à sua frente e vomita.

Agradeço até hoje a agilidade do rapaz em questão, pois não fosse isso aquele dia eu teria chegado em casa banhado por excrementos estomacais.

Descemos do ônibus na Praça da Bandeira quando André, envolto em sua calma e alegria, constatou que não poderíamos atravessar a via devido a falta de sinalização e ao seu grande fluxo de veículos.

Sem sair de seu estado sorridente ele me diz:

“É, o único jeito é fazermos a travessia pela passarela de pedestres.”

Uso para ir ao trabalho minha cadeira motorizada que tem um peso considerável. Como subir um equipamento desse porte numa passarela sem acessibilidade?

Basta dizer que além de André foram necessários três homens de porte físico avantajado para que a subida fosse concluída com sucesso. Na hora de descer foi o momento de maior apreensão para todos que estavam envolvidos na tarefa. Foi então que um transeunte de camisa polo e calça branca se recusou a prestar ajuda alegando que por algum motivo minha cadeira poderia sujar suas preciosas calças.

De início fiquei meio contrariado, achei um abuso, além de uma tremenda falta de cortesia, mas logo deixei isso de lado porque percebi que ele poderia estar a caminho do trabalhou ou coisa que o valha.

Tudo ocorreu bem, consegui chegar com vida ao outro lado da passarela e chegamos à “IEVE”.

Lá chegando, André precipitou-se e foi logo me apresentando o espaço e me perguntou se eu estaria interessado em me consultar com um dos Chelas disponíveis. Concordei e efetuei o pagamento de dez reais pela consulta.

André, me conduzindo até o elevador, disse:

“Vou te deixar na cantina e trocar de roupa, pois minha aula começará em poucos minutos.”

Fiquei esperando André por volta de uma hora. Durante este tempo fiquei parado onde ele havia me colocado observando os sons do ambiente, pessoas que transitavam de um lado para outro e conversas paralelas.

Tinha levado, ao sair do trabalho, um livro para me distrair. Estava eu tranquilo e absorto em minha leitura quando tive meu ombro cutucado – era André que tinha terminado sua aula e veio perguntar se eu precisava de alguma coisa. Ao vislumbrar aquela criatura de branco dos pés à cabeça, pensei:

“IH! Cheguei ao nirvana e esqueceram de me avisar!”

Foi então que a vida em que eu parecia não ter nada para fazer naquele momento me pregou uma de suas maiores peças. Olho para o lado e quem eu vejo me cumprimentando cheio de amabilidades? O homem da calça branca, aquele que nos havia negado ajuda no episódio da passarela. De início recuei temeroso e o cara percebeu.

Eliseo, ele se chamava, e era locutor de rádio. Meio sem graça ele tentou, digamos, consertar sua atitude anterior e eu, reparando em seu desconforto, resolvi deixá-lo à vontade. Conversamos longamente e constatei que na verdade ele é alguém amigável.

Chegou a hora de ir ao tratamento onde faria minha consulta. Ao adentrar ao templo me vi em uma atmosfera totalmente nova, nova e impressionantemente tranquila – era como se meu Ser tivesse sido elevado a um plano muito superior, onde só havia paz e nenhum mal poderia me atingir. Enquanto esperava minha vez de ser atendido resolvi fechar os olhos e desfrutar dos mantras que estavam sendo entoados.     Sempre acompanhado por Eliseo, que desde nosso segundo encontro tinha virado praticamente a minha agradável sombra, entrei na fila, mas não para ser atendido e sim para receber passes. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com meu aprendiz de chela preferido! Sim, era ele mesmo, André, que sorria e me oferecia uma tal de água vibrada pelos mestres ali presentes. Enquanto sorvia a água e uma série de ditos sagrados eram proferidos, um turbilhão de perguntas invadiu-me a mente: “Será que eu passaria mal bebendo aquela água? Será que por beber aquilo ganharia a vida eterna? Até que não seria nada mal receber a dádiva da vida eterna, pensei eu sorrindo internamente”.

Chegou a minha hora.

Devido a minha deficiência fui posto em atendimento preferencial e conduzido até uma adorável senhora que me recebeu amável como uma avó. Me fez perguntas sobre a minha vida, e contei a ela que além de jornalista eu sou estudante de canto lírico e várias outras coisas. Em certa altura da consulta, ela indagou a razão pela qual eu estava ali e, claramente, embora tenha tentado disfarçar, espantou-se com a resposta:

“Curiosidade!”, disse eu.

“Curiosidade boa, não é?!”, replicou ela.

Respondi afirmativamente com um sorriso, e a consulta seguiu seu rumo.

Isso, sempre com Eliseo a dois passos da minha cadeira, pois ele havia pedido autorização àquela adorável senhora para estar presente.
Voltei para casa – apesar de alguns percalços, como, por exemplo, ter sido obrigado a trocar de ônibus porque a plataforma travou no meio da porta, e com isso ter tido que aturar o mau humor dos demais passageiros – com uma sensação de felicidade e enorme paz interior.

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