sábado, 28 de março de 2009

Saberemos ser felizes novamente?

Jornal Cidade da Barra, Março/2009:

Saberemos ser felizes novamente?

ANDREI BASTOS

Você é capaz de imaginar uma casa sem muros no Rio de Janeiro hoje em dia? Talvez, como privilégio de pouquíssimos condomínios de alto luxo com sistemas de segurança muito eficientes e caros. Pois há apenas três décadas isso era comum na Barra da Tijuca e no Recreio dos Bandeirantes, acredite. Em artigo anterior falei que há 30 anos não existiam calçadas na Barra e que eu me sentia quase um desbravador diante do vazio de construções. Também não existiam ladrões e a falta de gente não representava perigo. Nem favelas existiam. De tão raros, os pobres geralmente se empregavam como caseiros, para cuidar de piscinas, aparar grama ou consertar bombas de poços artesianos.

Logo depois de me tornar morador do "fim do mundo" que era a Barra, recebi a visita de meus pais, que assim classificavam meu novo bairro e diziam que eu era louco por viver "nestas lonjuras". Duas visitas mais, mudaram de opinião e trocaram o apartamento de Santa Teresa por uma casa no Recreio. Uma casa sem muros.

Eles compraram a casa do filho de Seu Roberti, este sim um desbravador. Após o fim da Panair do Brasil, onde trabalhava, Seu Roberti juntou as coisas no carro velho e seguiu pela Av. Sernambetiba até onde achou que devia. Dali tirou uma reta perpendicular à praia e também seguiu, cortando o mato a facão, até onde achou que devia. Demarcou uma área, que hoje representa um quarteirão, e se apossou da terra. Para indicar suas fronteiras, plantou uma cerca viva.

Amigo de Pasquale Mauro, grande proprietário de terras na Barra e no Recreio, Seu Roberti não tinha a mesma ambição e ficou apenas com o quarteirão do primeiro momento. Ali plantou árvores frutíferas, construiu sua casa e, mais tarde, a casa do filho, depois comprada por meus pais. Como eu morava perto deles e os terrenos das casas se ligavam por uma passagem na cerca viva, eram freqüentes os cafés da manhã reunindo minha família e Seu Roberti, que sempre levava muitas frutas. Sabíamos bem que éramos felizes!

O que nos impede de sermos felizes novamente? Esta é a pergunta que devemos fazer a nós mesmos, da Barra, do Recreio, de todo o Rio. Não é difícil entender o que aconteceu, o crescimento desordenado, a falta de oportunidades para os mais pobres. É claro que não voltaremos a viver em casas sem muros, mas também é claro que não podemos permitir o avanço desse processo desagregador da vida, que há muito ultrapassou os limites do respeito aos valores e direitos humanos.

Hoje em dia vivemos em jaulas ou guetos e espero que a história contada acima, com tão boas lembranças, além de nos animar a continuar lutando por cidadania plena para todos, com inclusão social particularmente dos mais pobres, sirva também para demonstrar o que perdemos por não termos considerado nestas três décadas as diferenças entre nós.

Da mesma forma que a Barra e o Recreio ainda têm espaço para resolver a questão da acessibilidade para pessoas com deficiência, idosos, mulheres grávidas, obesos e demais pessoas com mobilidade reduzida, também têm espaço para a urbanização das favelas existentes e para a inclusão social das suas comunidades. Saberemos ser felizes novamente?

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