Jornal do Brasil, 02/03/2009:
ENSINO ESPECIAL
É isso aí, Gabrielzinho do Irajá
Cantor é um dos alunos com deficiência visual que vai fazer a avaliação da rede municipal
Fernanda Thurler
Ele despontou aos 9 anos como ator na novela América. Aos 11 lançou o CD Ninar meu samba, com participação de Dudu Nobre, Luiz Carlos da Vila e Dorina. Desde então é figura obrigatória nos shows de samba. Mas não abandonou o estudos. Aluno há seis anos da Escola Municipal Gaspar Viana, em Irajá, Gabriel Gitahy da Cunha, o Gabrielzinho do Irajá, de 13 anos, portador de deficiência visual, é só elogios para a atenção que recebe.
– O material é excelente. Este ano foi a primeiro em que ganhei os livros didáticos escritos em braile. Antes, quando tinha de estudar, alguém tinha de ler para mim.
Gabrielzinho está cursando o 7º ano (antiga 6ª série). Antes, estudou no Instituto Benjamin Constant.
– Prefiro a escola municipal – compara. – Além de ser mais perto de casa, posso conviver com outras crianças que não são deficientes. Tenho uma vida normal. Os meus colegas me ajudam muito.
Gabrielzinho, como todos os alunos da rede municipal, terá de fazer, no dia 19, a prova de avaliação para testar o conteúdo ensinado no ano anterior. O objetivo da Secretaria Municipal de Educação é detetar os estudantes que precisam de reforço escolar. Farão o teste os 727.776 estudantes do Ensino Fundamental, dentre eles os 6.179 da educação especial.
Todos as crianças com necessidades especiais receberam a revisão. O material usado pelo professor em sala de aula foi adaptado por profissionais do Instituto Helena Antipoff, especializado na qualificação do educador e no desenvolvimento da aprendizagem dos alunos especiais.
Os deficientes visuais – 58 cegos e 158 com baixa visão – contam com o Centro de Transcrição a Braille, onde todos o material didático é adaptado para suprir as necessidades de cada um. Há alunos que estudam em classes comuns. Os casos mais avançados, que necessitam de uma atenção específica, frequentam as classes especiais.
– O nosso maior desafio é fazer com que o material seja confortável para a leitura do aluno. Ele precisa de algo eficiente e funcional – conta Aida Cristina da Silva, professora especial em deficiência visual do instituto. – Às vezes, a gente se empolga com o trabalho e enche o material de conteúdo. Um livro didático, por exemplo, com muitas figuras em alto relevo, acaba atrapalhando a leitura do aluno. A gente tem de descobrir o equilíbrio. Informar sem excesso.
Outro desafio é a descrição das figuras dos livros didáticos e das provas para os alunos cegos.
– Como não tem como passar a figura para o braile, a gente tem de descrever o desenho, sem dar informações além do que aparece para não facilitar a resposta do aluno. É um trabalho minucioso e muito cuidadoso – acrescenta Aida.
Para os alunos com baixa visão, a preparação do material é mais específica, porque cada um tem uma deficiência.
– A baixa visão a gente tenta superar aumentando o tamanho dos textos e das imagens de acordo com a necessidade de cada criança. É mais trabalhoso, mas é muito gratificante, o aluno se sente valorizado – destaca Aida.
Para manusear o material, os professores, principalmente os das classes comuns, precisam estar preparados. Segundo informações da Secretaria de Educação, cerca de 2 mil educadores fazem curso sobre deficiência no instituto.
– Há também uma rede de apoio ao educador com psicólogos e assistentes sociais. Cada Coordenadoria Regional de Educação tem uma equipe que visita as escolas para saber as demandas dos professores e dos alunos especiais – conta Leonor Chrisman, diretora do instituto.
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ARTIGO/SOCIEDADE ABERTA
Não há uma prática de educação inclusiva
Antônio Muniz
PROFESSOR
Para fazer referência a esse tema, faz-se necessário que voltemos nossos olhos ao passado, constatando que até bem pouco tempo qualquer pessoa que apresentasse qualquer diferença mais acentuada estaria praticamente alijada da sociedade, condenada a transformar-se em peso morto, digna da piedade de todos quantos a cercassem.
Não poderia ser diferente no caso das pessoas com deficiência visual, que se dividem em dois grupos: o formado pelas pessoas cegas e o por aquelas outras com baixa visão, ou visão subnormal.
Ainda com nossos olhos voltados para o passado, vamos verificar que a história da educação desses indivíduos no mundo chega à marca dos 200 anos, uma vez que em 2009 comemora-se o bicentenário de Louis Braille, inventor do sistema de escrita e leitura usado pelos cegos, sem que possamos afirmar que os professores da rede oficial de ensino estejam preparados para receber em suas salas de aula alunos com tais características, ou que a estrutura das escolas esteja efetivamente adequada às especificidades de quem não vê.
Com seu costumeiro pioneirismo, o Brasil, mercê da magnanimidade de dom Pedro II, viu construir e se erguer na cidade, em 1854, o primeiro educandário para cegos de toda a América Latina, atualmente denominado Instituto Benjamin Constant.
Apesar dos esforços desempenhados por esses indivíduos, o fato é que só a partir da década de 50 do século 20 é que essas pessoas conseguiram se incluir nas escolas ditas comuns. E, também por conta dessa constante luta, esse acesso finalmente foi reconhecido pelo governo federal com a Lei 4.024, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação que tivemos.
Como expressão consolidada do processo de luta por sua emancipação, as pessoas cegas e com baixa visão, aliadas a profissionais que atuavam na área da educação especial, constituíram, em 1968, a Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais, que tem, ao longo de sua trajetória, se empenhado, junto às autoridades governamentais nas três esferas, para que os educandos cegos e com baixa visão recebam o atendimento adequado às suas especificidades.
Chegaram os anos 80 e, com eles, toda a efervescência social caracterizada pela decadência da ditadura militar, contribuindo para que esse segmento tivesse oportunidade de capilarizar sua organização associativa pelos estados.
Por força da luta desses indivíduos, aliados ao amplo movimento social que se formou na época, a Constituição de 1988 foi a primeira das sete Cartas Magnas a contemplar os indivíduos com deficiência, estabelecendo diretrizes para a construção de políticas públicas em vários dispositivos.
Conquistamos a partir daí todo um emaranhado de leis que “protegem” ou “asseguram” nossos direitos, mas que infelizmente ainda não são devidamente observadas pelas autoridades. Dispomos ainda de um aporte adicional, que é a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que, no Brasil tem força de emenda constitucional, por ter sido ratificada pelo Congresso em 2008.
Apesar da lei, o fato é que muito pouco tem se feito pela inclusão educacional dessas pessoas.
Embora tenha havido por parte do governo federal algum esforço no sentido de promover capacitações para o corpo docente, ainda é comum encontrarmos pessoas cegas matriculadas em escolas apenas como ouvintes, exatamente como no tempo de Louis Braille, há quase 200 anos, com a diferença de que naquela época ainda não existia um sistema apropriado para os cegos acessarem a escrita e a leitura.
Não há informação acerca da distribuição do livro didático em braille ou em tipos ampliados para os milhares de educandos cegos e com baixa visão matriculados nas escolas brasileiras.
Se é verdade que em 1999 tivemos acatada antiga reivindicação do segmento, sendo constituída uma Comissão Brasileira do Braille no MEC, encarregada de traçar políticas de atualização e disseminação desse sistema de leitura e escrita em todo o território brasileiro, também é verdade que tal comissão não tem recebido a merecida atenção das autoridades, tendo até sido reestruturada sem que se tivesse efetuado um processo de discussão com o o segmento.
Dirão as autoridades do MEC que está se promovendo o acesso digital desses indivíduos, matriculados na rede oficial de ensino, quando se remete para a escola um notebook para cada aluno cego ou com baixa visão. Quando partimos para fazer tal verificação, constatamos que dificilmente tal equipamento chega a seu destino. E, quando isso ocorre, não existe professor preparado nem o aluno dispõe de conhecimento técnico, por pequeno que seja, para lidar com aquela ferramenta.
Diante desse quadro, não podemos afirmar que esteja havendo no Brasil uma prática de educação inclusiva, ao menos em relação às pessoas cegas e com baixa visão.
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