domingo, 26 de outubro de 2008

Deficientes sim, mas com muita reivindicação, orgulho e votos

NO PALÁCIO - Andrei protestou (Foto: Divulgação/Regina Cohen)

Jornal do Brasil, Eleições Municipais 2008, 26/10/2008:

INCLUSÃO SOCIAL
Deficientes sim, mas com muita reivindicação, orgulho e votos
Acessibilidade é a palavra de ordem dos ativistas que vivem na cidade

Idelina Jardim

Pessoas com deficiência decidem seus votos como outras quaisquer do ponto de vista cívico. A aparente diferença – a partir do ponto de vista de quem não vive esta realidade – está estampada na falta de ações de governantes e camufladas nas propostas de candidatos para uma parcela da população que ainda sofre preconceitos, apesar da importância nas urnas. O sonho de entrar no mundo da igualdade esbarra na falta de acessibilidade pelas ruas, escolas, transportes e prédios – privados e públicos.

A inclusão na educação, também dá um nó no assunto. Há o desejo de que ela seja especial em escolas convencionais, assim seriam de fato, incluídas na sociedade.

Em tempos de campanha, Fernando Gabeira (PV) e Eduardo Paes (PMDB) – questionados pelo Jornal do Brasil – prometeram atenção às necessidades dessas pessoas.

Paes considera um absurdo os transtornos enfrentados no dia a dia das pessoas com deficiências. O candidato do PMDB se comprometeu a mudar esta realidade.

– A má conservação de ruas e calçadas é um problema para todos e uma verdadeira tortura para idosos, deficientes visuais e pessoas com dificuldade de locomoção. Na maioria dos bairros do Rio as calçadas não têm rampas. Na minha administração elas serão adaptadas e a conservação vai ser feita de forma permanente. É preciso também fazer cumprir a lei que obriga a adaptação dos ônibus – promete.

O candidato quer ainda criar centros públicos de reabilitação conceder incentivos para que as empresas ampliem o acesso ao mercado de trabalho.

Gabeira também tem planos. Ele diz que seu governo vai atuar de modo que assegure seus direitos.

– A acessibilidade, independência e a autonomia são fundamentais para os cidadãos e a linha de atuação da prefeitura nessa área vai se orientar pelo desenho arquitetônico universal. Meu governo estimulará a adaptação de espaços públicos para facilitar o fluxo de todos. E aqui incluímos os cidadãos que chegam à terceira idade – assegura.

Gabeira destacou ainda que pretende ampliar a oferta de trabalho aos deficientes e será parceiro de setores da sociedade que atuam neste setor. Também disse que vai qualificar o acesso ao ensino especial e aperfeiçoar os professores para que os cerca de 6 mil deficientes que estudam na rede municipal tenham mais oportunidades no futuro.

Preferência por futuro

Para o cientista político da Universidade Cândido Mendes (Ucam), Wanderley Guilherme dos Santos, o critério de escolha dos candidatos por pessoas com deficiência não é diferente daquelas consideradas normais.

– Ambos os eleitores votam pelo futuro que consideram melhor para si próprio. É uma forma minha de avaliar o que faz com que uma pessoa decida por um voto. Mas não é freqüente na análise da ciência política, que considera a família, o status sócio-econômico, ou as preferências que aparecem nos meios de informação, alternativas influentes. Embora também acho que sejam importantes, creio que está faltando esse dado nessas análises como a preferência de futuro que o eleitor tem – ressalta Wanderley Guilherme.

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Inclusão depende de mais acesso e menos obstáculos

O acesso à escola traz, além de um ato cidadão, a consciência política para as pessoas que tenham alguma deficiência.

– Se formos criteriosos e estudiosos, buscamos pessoas que nos represente da melhor maneira possível. Mas, muitas vezes, isso não é possível pela fragilidade dos candidatos. A forma pela qual uma pessoa é educada abre o poder de análise, aprofundando-o. Somos um eleitor como outro qualquer – diz a professora e chefe do gabinete da direção do Instituto Benjamim Constant, Maria da Glória de Souza Almeida, deficiente visual.

Ela também destaca que o modo de escolha de um candidato é baseado na análise de propostas, caráter, histórico do político etc.

O setor de transportes merece atenção, segundo a professora.

– Os ônibus estão muito ruins. As roletas na frente são obstáculos não só para o cego. Quantas vezes o motorista não nos vê! Assim, a pessoa com deficiência pode entrar num bueiro aberto, bater numa árvore, canteiro, orelhão ou outro obstáculo, porque a cidade também é desorganizada. Falta ordem urbana – critica.

Tradução na TV para surdos

A diretora do departamento técnico-pedagógico do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), Maria Cristina de Azevedo – traz à tona uma realidade invisível

– Acessibilidade a uma pessoa surda, é falar de legenda na TV, com tradução em libras para que ela possa ter acesso garantido à informação. Falta discutir isso. É preciso que elas sejam cidadãs de fato e exerçam seu direito de votar com propriedade. Elas escolhem seus candidatos analisando na medida do possível, porque quase não têm acesso às propostas. Os candidatos não se preocupam com esse eleitorado.

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Com o trunfo de também ser um consumidor

Carregado de críticas, o músico e compositor Marcelo Yuka – que ficou paraplégico depois de levar seis tiros em novembro de 2000 quando tentava impedir um assalto na Tijuca, Zona Norte do Rio – destaca a falta de acessibilidade, que impede o direito de ir-e-vir.

– Até hoje, se tem a idéia de que os deficientes não são consumidores. A acessibilidade é uma coisa necessária tanto para o bebê, quanto para o idoso e o deficiente. Não é porque tenho uma deficiência que o meu problema é maior, faltam rampas nos transportes e na cidade, assim como banheiros adaptados – diz o ex-músico do Rappa.

Segundo Yuka, também falta cobrar de quem constrói.

– Tem que ter pressão em cima dos arquitetos, as pessoas que produzem o benefício da cidade. O Brasil é apontado como o país da arquitetura, mas e a acessibilidade? Somos 25 milhões de deficientes em todo o país. Não tenho partido, tenho fidelidade social, faço projetos sociais – desabafa.

O jornalista Andrei Bastos – que integra uma organização chamada Rede Inclusiva – junto com outras pessoas com deficiência, elaborou um conjunto de propostas de governo que os contemplem, especialmente sobre a acessibilidade nos transportes. Contou que o mesmo foi apresentado a Fernando Gabeira mas frisou que qualquer ocupante da prefeitura pode usá-lo. Para Andrei, a escolha do candidato é feita a partir de análise de propostas.

– Acho até que é um critério de muitas pessoas com deficiência na cidade. Votamos no candidato que oferece garantias de que vai resolver o problema da acessibilidade no transporte público no Rio de Janeiro. Essa questão é a mais importante, que precisa ser resolvida para que todas as outras, de inclusão social, também sejam – afirma.

Contou ainda que, em agosto, foi convidado para uma cerimônia no segundo andar do Palácio Guanabara, onde festejaria um convênio da Faperj com instituições de pessoas com deficiência. A falta de acessibilidade fez o local oferecer seguranças para carregá-lo.

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