quinta-feira, 4 de junho de 2009

Um jantar especial

ANDREI BASTOS

Minha neta Elisa ocupa um lugar importante na minha vida, no meu coração. O amor entre os seres humanos se expressa das maneiras mais elevadas e nossa convivência revelou o quanto ela representa para mim. Se nada além existisse para me fazer feliz, sua atenção e interesse já bastariam. Seus cuidados comigo e suas declarações surpreendentes elevam minha autoestima e me deixam vaidoso. Não preciso de mais nada para me afirmar como indivíduo completo, a despeito da minha deficiência.

No mundo atual, ainda distante da incorporação da diversidade humana a seus paradigmas e valores, tem enorme significado ser amado de forma integral e ser aceito do jeito que sou, sem uma perna, o que suscita até brincadeiras divertidas com as muletas, quando Elisa me imita dobrando a perna esquerda ou tenta a street dance com uma perna só.

Mas surpreendente mesmo é quando, além da simples aceitação, ela revela admiração e orgulho por eu ser diferente e faz questão de me mostrar para os outros como um troféu da sua existência. Nessas horas fico bobo e penso no que ainda precisamos fazer para construir um mundo sem preconceito ou discriminação.

Eu e Elisa vamos a museus e centros culturais, onde ela se diverte me empurrando numa cadeira de rodas. Gostamos de conversar, sempre numa espécie de duelo de tiradas espirituosas. Outro dia fomos jantar fora e, quando chegamos, o restaurante estava quase vazio. Falamos de dinossauros brasileiros, soldadinhos e geléias do Vik Muniz, entre outras coisas de mesma fundamental importância. Quando pedimos a conta o lugar já estava cheio e eu, refletindo sobre nossa noite e como flui sem barreiras nosso relacionamento, disse que nossa tranquilidade tinha ido embora. Elisa completou: “e nós vamos com ela”. Sim, Elisa, neste jantar a ficha da verdadeira inclusão caiu e espero que cheguemos o mais longe possível com nossa tranquilidade sem preconceitos.

Com oito anos, Elisa é privilegiada porque nasceu numa família em que existiam pessoas com deficiência, conheceu essas diferenças desde cedo e as incorporou ao seu universo existencial, particularmente no aspecto afetivo. Para ela é um simples atributo ser cadeirante, muletante ou ter outra deficiência qualquer. O que fazer para que todos sejam assim?

Todas as lutas, pelo transporte público acessível ou pela inclusão no mercado de trabalho, entre tantas outras, são absolutamente necessárias. Só que nelas pegamos o bonde andando, com cidadãos já crescidos, e mal formados.

Mas hoje podemos pegar o bonde na estação, pois estamos diante de uma oportunidade única. A sociedade vinha discutindo o projeto de um Plano Nacional pela Primeira Infância e seu texto não contemplava as crianças com deficiência. Para corrigir este erro, a Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ realiza hoje, dia 4 de junho de 2009, seminário e audiência pública para que as pessoas com deficiência e suas entidades dêem suas contribuições ao Plano, antes que ele seja encaminhado ao presidente da República e ao Congresso.

Vamos começar a formar brasileiros sem preconceito ou discriminação!

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