quinta-feira, 4 de junho de 2009

O mito do Bebê Johnson’s

ANDREI BASTOS

Damous, Pressburger, Vannuchi, Mumme, Fernandez… Este é o nosso Brasil, uma nação que sempre acolheu afetuosamente as pessoas vindas dos mais distantes lugares do planeta em seu seio de mãe gentil. Porque não haveria de ser do mesmo jeito com suas crianças com deficiência – suas próprias crianças?

Neste ano de 2009 o mundo comemora os 20 anos da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e hoje, dia 4 de junho, é o Dia Mundial das Crianças Vítimas de Agressão.

Não poderia existir ano melhor para se escrever um Plano Nacional pela Primeira Infância.

Não poderia existir dia melhor para uma audiência pública que tem o objetivo de contribuir para que não se cometam mais as agressões do preconceito e da discriminação contra as crianças com deficiência brasileiras. Além disso, e pior, estamos falando também da agressão física mais grave que se pode cometer contra uma criança, que ocorre quando não se dá a devida atenção antes, durante e após o parto e isso resulta em paralisias cerebrais, por exemplo, com aproximadamente 40.000 novos casos por ano no Brasil.

Continuando na linha do “não poderia existir momento melhor”, com este Plano estamos diante de uma oportunidade única, de ouro, para construirmos políticas públicas de prevenção às paralisias cerebrais e, quem sabe, com os sucessivos avanços da ciência, até de outras deficiências congênitas. No dia em que obtivemos a vitória da pesquisa com células-tronco embrionárias abrimos as portas para esse futuro.

Pois é, nem tudo é berço azul ou rosa nessa história e quando falamos em crianças com deficiência, a maioria das pessoas fica estática, como na interrupção brusca da projeção de um filme. Fica tudo parado, imóvel! Muito pior do que quando falamos em pessoas com deficiência de um modo geral, o que já provoca considerável perplexidade. Qual a razão disso?

Ora, se nós, adultos com deficiência, já vivemos numa grande “invisibilidade” por conta de uma herança cultural e social preconceituosa e discriminatória, nossas crianças com deficiência são quase que absolutamente “invisíveis”. Todos nós, com ou sem deficiência, pautamos nossas vidas com mitos sempre muito distantes da nossa realidade e assim cometemos graves equívocos. Talvez o maior deles, por se referir ao mandamento e lei da vida de crescermos e nos multiplicarmos, seja justamente o mito do Bebê Johnson’s.

É natural e correto que procuremos fazer sempre o melhor em tudo na vida, especialmente quando se trata de filhos. O que é antinatural e errado é não conseguirmos conviver com as diferenças e as deficiências e, por conta desse e de outros mitos, alijarmos da vida os que não correspondam às fantasias que alimentamos.

O mito do Bebê Johnson’s é que coloca a maior dificuldade para encararmos a realidade que se apresenta, com todo o potencial realizador que possa conter, e que pode ser de bom tamanho para a felicidade de qualquer família.

É um momento triste quando nasce uma criança com deficiência? Sem dúvida, mas isso pode acontecer cada vez menos e não é triste o bastante para negarmos a vida plena a quem tem total direito a ela ou para diminuir o amor que já existia antes dela nascer.

Uma criança com paralisia cerebral ou outra deficiência que comprometa seu desempenho físico pode ter potencial intelectual igual ou superior ao de qualquer outra sem deficiência e tem direito a se desenvolver plenamente, sem preconceito ou discriminação. Algumas das nossas crianças podem não ser Bebês Johnson’s, mas nós também as amamos incondicionalmente. Todas as crianças são especiais!

* Texto distribuído na audiência pública “Plano Nacional pela Primeira Infância e as Crianças com Deficiência”.

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