Inclusive, 08/01/2017:
Deficiência
contraditória
ANDREI BASTOS
A expressão “portadores de necessidades especiais”, que evidentemente
está muito longe de expressar as características de determinados e minoritários
grupos de seres humanos, formados por pessoas cegas, surdas, com mobilidade
reduzida etc., evoluiu para a, atualmente, consagrada expressão “pessoas com
deficiência”, depois de ter passado por “portadores de deficiências” e “pessoas
com necessidades especiais”.
No passo a passo da superação de cada expressão, viu-se inicialmente
que as características pretensamente representadas não eram “portadas” pelas
pessoas, como elementos estranhos aos seus corpos ou mentes, mas sim inerentes
a elas. Mas continuamos com as “necessidades especiais”.
Esta última expressão equivocada caiu com o entendimento de que as
diferentes necessidades eram apenas específicas a cada condição humana, sem
caráter especial. Com isso, os cegos, surdos, cadeirantes etc. deixaram de ser
“especiais” ou de ter necessidades igualmente “especiais”.
A essa altura, percebe-se a importância de uma nomenclatura correta,
que expresse as reais condições e características de tais grupos de seres
humanos. E, mais do que apenas expressar corretamente, que a nomenclatura se
livre de conotações preconceituosas, discriminatórias ou segregadoras.
Mas, sem “portadores” e sem “necessidades especiais”, chegamos a uma
definição clara, precisa, sem deixar margem para questionamentos? Com a
consagração da expressão “pessoas com deficiência” simplesmente, chegamos ao
fim do processo?
Ora, se chegamos ao fim de um processo, este foi de síntese do
preconceito e segregação, pois com a adoção de tal expressão o que realmente
fazemos é, com clareza e precisão, colocar as diferentes pessoas, com diferentes
características, no mesmo balaio da deficiência, estigmatizando-as,
colocando-as, em última análise, no gueto da deficiência.
Afinal, se dizemos que a deficiência não está na pessoa, mas no mundo
em que ela vive, como podemos, contraditoriamente, chamar esta pessoa de
deficiente? Este é o nó da questão, mas é um nó fácil de desatar. Basta
denominar cada ser humano de acordo com seu atributo, o que nos dá pessoas
cegas, surdas, com síndrome de Down, amputadas etc., deixando para trás o gueto
da deficiência.
Embora não precisemos jogar pedras nas expressões antigas, já que
surgiram no bojo de um movimento de emancipação e, portanto, até se justificam
por promoverem a união em torno de objetivos comuns, atualmente não faz mais
sentido alimentarmos a contradição contida na expressão atualmente usada, já
que também está consagrada a ideia de que a deficiência está no mundo
despreparado para acolher a ampla diversidade humana.
O que se coloca como objetivo comum, hoje em dia, não é mais o
atendimento a determinados e minoritários grupos de seres humanos, formados por
pessoas cegas, surdas, com mobilidade reduzida etc., mas sim o atendimento a
amplas necessidades humanas, sem exclusão de nenhum grupo, promovendo a
inclusão de todos no mundo em que vivemos.
Andrei Bastos é jornalista, amputado,
e integra o Fórum Nacional de Educação Inclusiva.
Fonte: Inclusive
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