O Globo, Opinião, 29/12/2014:
Conselhos
deficientes
ANDREI BASTOS
No início de 2014, um grupo muito representativo do movimento das
pessoas com deficiência cariocas me propôs concorrer à presidência do Conselho
Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro
(Comdef-Rio) com o seu apoio. Vencemos as eleições.
Totalmente por fora das idiossincrasias da máquina burocrática do
governo municipal, me lancei à nova tarefa com o entusiasmo que teima em não me
abandonar. Não que eu não tivesse consciência do estado de subalternidade e
pequenez do Conselho, mendigando orçamento anual de trinta mil reais, em
situação de um ridículo perverso, e cuja existência paritária vinha servindo apenas
para satisfazer egos equivocados de gestores públicos. Acredito que por isso
mesmo fui convocado, pois não me ajusto a conjunturas com tais características.
Já presidindo o Comdef-Rio, participei de diversos eventos reunindo
outros conselhos municipais do país e cheguei à conclusão de que a anulação
política não é característica exclusiva do conselho carioca, se configurando
como desavergonhada “política pública” de quase todas as prefeituras, deixando
a maioria dos conselhos como meros elementos figurativos, sem expressão na
formulação ou implementação de políticas públicas verdadeiras para as pessoas
com deficiência.
Ora, governos conscientes de seu verdadeiro papel devem trabalhar para
o bem comum, e como tal devem sempre fortalecer a sociedade civil organizada,
que é a origem legítima de muitas ações governamentais que atendem à sociedade
e a seu avanço civilizatório.
Mas não existem prefeituras comandadas por governantes conscientes de
seu verdadeiro papel, ao menos nas questões referentes às pessoas com
deficiência, senão como exceções, raras, cujos conselhos fiquei conhecendo por
citações elogiosas de militantes históricos ou por estarem no Encontro
Regional de Conselhos de Direitos da Pessoa com Deficiência - Região Sudeste, realizado
em maio pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) em
São Paulo, que possibilitou em oficinas temáticas “a construção
coletiva de estratégias para a ampliação e o fortalecimento de conselhos
municipais e estaduais de defesa de direitos das pessoas com deficiência”.
Embora
o encontro da região sudeste tenha concluído que cada conselho deveria procurar
a configuração mais adequada à sua realidade de atuação, ficou evidente que ao
menos nos grandes centros urbanos o formato paritário mais resulta em
parasitário, sem rejeição dos poderes executivos hospedeiros, que tornam “seus”
conselhos reféns dos seus interesses equivocados. Este é o caso do Rio de
Janeiro.
O movimento brasileiro de luta pelos direitos da pessoa com deficiência
tem consciência de que ainda falta muito a ser conquistado no combate ao
preconceito e à discriminação e, particularmente, nas políticas públicas que
cerceiam a emancipação social das pessoas com deficiência. Se os conselhos de
defesa de direitos existem para realizar controle e fiscalização sociais, como
poderão fazê-lo sem autonomia e peso político?
A conclusão óbvia para se atribuir autonomia e peso político aos
conselhos é de que eles devem ser tripartites, trazendo para suas composições
instituições de grande expertise e projeção social, independentes, como Ordem
dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Conselhos de Arquitetura e
Urbanismo, Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia, Conselhos de Medicina
etc., assim como se estabelecerem com independência financeira, com fundos
próprios. Dessa forma, será possível eliminar o paradoxo de conselhos que
deveriam defender os direitos da pessoa com deficiência serem deficientes.
Andrei Bastos é presidente do
Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de
Janeiro
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