Site Em Dia Com A Cidadania, 01/12/2008:
De pilantras e pilantragens
Andrei Bastos *
Pra começo de conversa e a bem da verdade, é preciso deixar de dizer que o Estado é omisso, que a sociedade civil organizada ocupa salvadoramente os espaços deixados por ele por intermédio das ONGs e que somos vítimas dessa omissão. Afinal, sem evitar o lugar-comum, não somos nós, por meio do voto e de outras prerrogativas, os empregadores dos funcionários da máquina estatal, do mais importante, que é o presidente da República, ao mais humilde? Ou seja: o Estado não é parte da sociedade, que é formada por todos nós, que também formamos as organizações não-governamentais, honestas ou não?
E sem medo de parecer defensor do Estado: ficar dizendo que ele é o culpado por todos os males não será, no fundo, uma desculpa para nossa omissão e um discurso que favorece ainda mais a bandalheira? Além disso, tem pilantra de todo tipo: jovem, velho(a), gordo(a), magro(a), com deficiência ou não, inteligente ou burro, culto(a), ignorante etc., etc., etc.
Pois é. Tais constatações óbvias devem ser escritas muito mais de cem vezes no quadro-negro da nossa consciência, com o giz das nossas frustrações cívicas, para que possamos entender com clareza quais são nossas responsabilidades, coletivas e individuais, diante da falência da ética e das instituições que vivemos e, em particular, diante da confusão entre filantropia e “pilantropia”. Se acusamos governos, governantes e políticos em geral de pilantras, na maioria das vezes com razão, e eles continuam aí, dando as cartas, não será apenas uma questão de coerência da sociedade o perdão a ONGs “pilantrópicas”? Por acaso as pilantragens não se confundem?
Afinal, mesmo onde se acredita haver sinceridade de propósitos, em inúmeros casos o que existe não são fogueiras de vaidades, apadrinhamentos políticos poderosos, negócios de família ou grupos, em geral muito lucrativos, ou pequenos feudos de culto a personalidades de almas pequenas e desonestas em relação aos propósitos alegados?
Para alguns de nós, comumente identificados neste país de espertos como otários, esta é uma realidade que cria enorme desconforto e revolta. ONG virou sinônimo de safadeza e político virou sinônimo de safado.
Na minha quixotesca campanha eleitoral, quando acreditei que alguns tostões e muitas idéias poderiam viabilizar uma prática política nova, diante de um panfleto meu um cidadão disse para sua mulher que ali estava mais um ladrão. Eu, que estava ao lado do casal, não contestei porque o homem expressava o senso comum e de nada adiantariam meus argumentos naquela circunstância.
Em outro momento, mais recente, ao obter a informação de que era uma ONG que promovia um evento concorrido no hotel em que se hospedava, um cidadão murmurou algo como um “já entendi tudo” altamente acusador.
Pois é. Diante de um quadro assim, podemos tranqüilamente acreditar que entre os dois campos, o do Estado corrupto e o das organizações “pilantrópicas”, existe um conluio perverso que suga nossas energias produtivas para alimentar um poder mesquinho e rechear contas bancárias nem um pouco mesquinhas.
Certamente mais “honesto” em relação aos propósitos, outro aspecto desta realidade perversa, que é representado pelas ONGs que servem de fachadas e instrumentos de dominação para bandidos, tanto do tráfico como das milícias, cria mais do que desconforto, pois nos seus bastidores se enraíza e cresce o poder tão antagônico da anti-sociedade, da anti-humanidade, quanto o descrito alguns parágrafos acima, só que matando mais diretamente com suas armas de fogo. Os outros pilantras também matam, e muito mais gente, mas de maneira não tão evidente, desviando dinheiro público para seus bolsos ou campanhas eleitorais.
Como separar o joio do trigo se o armazém está contaminado e como reverter o senso comum expressado pelo eleitor e pelo hóspede do hotel? Estas são as perguntas que precisamos responder rapidamente para nos livrarmos dos pilantras e de suas pilantragens, não parecendo suficiente apenas cancelar a “MP da pilantropia”. As investigações têm que ir o mais fundo possível, alcançando todos os tipos de pilantragem, e com o apoio de toda a parte saudável da sociedade.
* Andrei Bastos é jornalista.
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